Para uma criança de ainda poucos passos
Tempo é espaço
E nas minhas reminiscências infantis
As altas horas
Eram-me tão distantes quanto uma pequena cidadezinha húngara
(na minha infância, a Hungria soava-me de uma lonjura inalcançável...)
As horas adultas eram-me inacessíveis
Dadas as quase vespertinas visitas do sono, implacável e pontual
Então, a simpática cidadezinha húngara
Lá permanecia: simpática, pequena e vazia
Enquanto eu dormia
Todavia, em raros momentos
Eu subvertia o tempo, o espaço e as coisas
Nessas molecagens de criança inquieta
E despertava, num sobressalto inconscientemente intencional, em meio às horas mortas
Que, para meu pueril espanto, revelavam-se tão vivas quanto as vivas
E lá estava eu, uma estranha criança
Com os olhos pesados, contudo atentos
Numa estranha e pitoresca cidadezinha húngara!
Tudo era tão intrigante e diferente:
As pessoas eram as mesmas daqui, mas faziam coisas diferentes
E falavam muito alto
Deveria ser da cultura húngara o hábito de falar alto, ponderava
A luz da sala era mais amarela e quase me punha cego
A televisão gritava-me sons lancinantes aos ouvidos
Numa programação, pressupunha eu, húngara, de tão incomum
Na estante, o relógio marcava uma hora estranha
Nunca havia visto seus ponteiros em tão bizarra posição
Mas era o mesmo relógio, porém com excêntricas feições
Tudo me assustava... e, curiosamente, fascinava-me!
E queimava-me a retina
Mas aquela fantástica visita
Àquela inolvidável cidadezinha húngara
Era de um efêmero desconcertante
E, de súbito, vinham-me inumeráveis grãos de areia aos olhos
Arremessados impiedosamente pelo sono, aos punhados
- fartos punhados! -
E eu era arrastado de volta, contrariado
A alvorada trazia consigo o despertar
E a saudade da cidadezinha húngara
Hoje, não mais existe a Hungria
E todas as horas são mortas
E fugidias.