VIL METÁFORA

a poesia constrangida de um poeta menor

23 de fev. de 2013

MUNDINHO MAIS OU MENOS



Se aquele que te diz “fica tranquilo”
Desdiz este que alerta “abre teu olho”
Põe logo tuas barbas de molho
Eis que ambos estão certos
Há que se manter tranquilo e sereno
Mas de olhos sempre abertos
Neste mundinho mais ou menos.

14 de dez. de 2012

SE O SILÊNCIO NÃO DER CONTA



E se nem o silêncio te fizer entender
Se nem ele quebrar este gelo
Quem ou o que poderá fazê-lo?
Só o silêncio é capaz de dizer
Tudo o que não foi dito
Por não se saber dizer

O silêncio fala e escuta num mesmo ato
É generosa via de mão-dupla
Não interrompe, tampouco contende
Apenas se faz presente
Ouve e se faz ouvir
De um modo sutil e sincero
Que quase todo mundo entende
Silencio, portanto, e espero...

Mas, se o silêncio não der conta
Não vou gritar nem desesperar
Vou-me embora, resignado e mudo
Pra não voltar
Que além do silêncio, não tenho pra dar
Que aquém do silêncio, tentei de tudo
Que amei, não fiz de conta

Se o meu silêncio não te convencer
Paciência...
Força mais poderosa o fará
Alheia a mim e à minha vontade
E em via de mão única:
A ausência
Cicerone da saudade.

16 de nov. de 2012

BULA



Sabes o poema que eu te fiz
E que não ficou tal qual pediste
Guarda-o contigo. Algo me diz
Que, quando estiveres muito triste,
Ele te dirá: “tu és feliz”
Nisso, tu te pegarás sorrindo
E então me dirás: “que poema lindo!”
E o triste já demuda em cicatriz.

11 de nov. de 2012

POEMA DE ENCOMENDA

De repente, virou-se ela
E lançou-me o desafio:
- Faz um poema pra mim?
Refaço-me e desconfio
Poema de encomenda?
Como assim?

Um poema que te recite
Que te acolha em seu estojo
Que te rime, te metrifique
Que redunde num verso novo?

Impossível! Tu já és verso
De amizade, de amor e cor
E fazer verso sobre outro verso
É desfazer o que já está pronto
Lindo, bem-acabado e ponto!
Sem o menor nem pudor

Poema de encomenda?
Não faço! Não preciso!
Pois basta que tu sorrias
Pra seres meu poema vivo.

20 de set. de 2012

O SILÊNCIO DA ARANHA



A aranha
Em silêncio e só
Vomita paciência
E vai tecendo
A sua sobrevivência
Doravante

A aranha
É a metáfora mais elegante
Da autossuficiência.

O SILÊNCIO AINDA É DE OURO



Por vezes, penso que calar é deixar dito
Com a força que o falar não o faria
E em vezes, penso que calar é covardia
Mas calo mesmo assim, pois acredito
No alento que o falar não me traria
No ensejo em que o silêncio é mais bonito.

9 de set. de 2012

POETA DE MENTIRA



Que poeta ordinário!
Faz versos com o dicionário
Usa compasso e régua
Pra corrigir a métrica
E, adivinhem só!
Tem sempre à mão
Um lápis de tabuada
Pra tabular uma rima interpolada
E pobre, do tipo vó com pó
Tenha dó!

26 de jul. de 2012

BRIGAS


Um tapa de silêncio
Uma lufada de indiferença
Um golpe de descaso
Um sulco da tua unha
Na minha pele. Uma fenda
Profunda
Outro tapa: agressão
Na carne e na alma
Disparates disparados
A esmo
Muitos pegam, poucos não

A cólera é já outra
O estrago inda é o mesmo
Gritos, gritos, gritos
E eu aflito, aflito
Silencio: desprezo?
Não, desespero
E medo. Muito medo!
Medo sombra, companheiro

Cala a boca!
Dedo em riste: chega!
Um raivoso, outro triste...
Um pranto úmido e sonoro
O outro mudo e represado
Não dá mais! Aparta!
E o amor? Aquele amor?
Aquele que se foi
Tão forte quanto veio?
Como ficam a flor, a cor, o olor?
Me perdoa. Eu te amo
Eu te odeio.

30 de jun. de 2012

UM SER SÓ POSSE


São minhas as minhas mãos
E meus pés também são meus
Meus pulmões e coração
De quem são, senão só meus?
E meus dentes, minha voz
Seriam, por acaso, teus?
São meus!
Indubitavelmente meus!
Meus joelhos, cotovelos
Meus olhos, meu olhar, meus pelos
Minha ira, meu rancor
Meu sorriso, meus cabelos
Minha calma, minha dor
Minha morte precoce
Minha alma...

E se tudo, portanto, é meu
Quem, afinal, sou eu?
Sou posse.

31 de mar. de 2012

OPINIÃO


É vital ter opinião e defendê-la
Chato é descobrir-se segregado por tê-la
Chato...
Mas risonhamente tolerável!

Quão insuportável deve ser
Não ter opinião. Ou então tê-la
E não poder
Ou não querer mantê-la
E fazer segredo
Por covardia ou medo
Do fatal degredo!

O homem sem opinião
É ser invertebrado
Seja um ídolo, titã ou militar condecorado
E nem é homem, não
É arremedo...

19 de fev. de 2012

ANTONÍMIA


Um relatório; um poema
Um afago; um estratagema
Um beijo; uma ofensa
Um que casa; um que pensa
A estufa ligada; o frio nos ossos
A mais-valia; o ócio!

Um antônimo
Pra fazer valer
Um sinônimo

Um sinônimo
Pra fazer-nos ver
O anônimo.

17 de dez. de 2011

ANTES DE TI


Quero sangrar antes de ti
Para prevenir-te do que senti
E ensinar-te o estancamento
Que, na sangria, aprendi

Quero cair antes de ti
Para entender de tombo e de erguer-se
E segurar-te, caso tropeces
Mas, caso caias, saberei, já de antemão
Estender-te a mão
E resgatar-te do chão

Quero sentir medo antes de ti
Tanto medo de não mais temer
E saber suplantar o pavor
Que certamente hei de sentir
Quando tu, ao sentires medo
Buscares asilo em meu destemor

Quero chorar antes de ti
Para entender que, quando choras
É a tua alma que me grita
Reprimida, malsofrida, aflita...
E que unicamente com a alma poderei ouvi-la
E compreendê-la
E confortá-la

Quero sofrer antes de ti
Só para provar da dor
Que não te quero fazer sentir

Só não quero, ao cabo de tudo, morrer antes de ti
Para que jamais aconteça
De sofreres revés e eu não estar aqui.

11 de dez. de 2011

FARDA


Não me venham com sonetos
Falas-finas, madrigais
Nem, tampouco, com agouros
Vaticínios e que tais
Não me comovo mais
Nem tenho medo

Meu couro já está curtido
Duro, espesso, doído
Minha alma, impenetrável
O olhar, vitrificado
Os sentidos, insensíveis
E os punhos, cerrados

A vida é assim:
Leva a poesia
Prescreve a analgesia
E farda-nos para viver
E para morrer, um dia.

2 de nov. de 2011

CAPITAL X TRABALHO

Somos títeres
Nas mãos de déspotas
Dão-nos víveres
De boa ingesta
E segue a festa
A nós: pão e circo
A eles: tudo o que resta.

28 de out. de 2011

COISAS

Se as coisas não vão bem
Ao menos elas existem: as coisas e seus devires
Pois, se nada mais existir para ir ou vir, mal ou bem
Aí, as coisas vão mal, mesmo. Muito mal...
Sabê-las e senti-las indo ou vindo
Mal ou bem
É - como as coisas - existir também.

8 de out. de 2011

PRATO FRIO

Serviram-mo frio
Sem acompanhamentos
Salvo a tristeza e a culpa
Meus fiéis circunstantes

Queria-o quente, agora
Muito embora
Outrora
Quando me servido quente
Não o tenha sabido apreciar a pleno

Queria-o quente
E corresponder à quentura
Com toda a candura
De que nunca dispus

Nunca o tinha pensado frio
Sempre serviram-mo quente
E quente fazia-me bem
Quente, era-me o alento
A referência subjacente
O mais nobre sustento
De quem, em pleno vôo
Alçado faz muito
Sabia-se, ainda, mero rebento

Serviram-mo frio
Caiu-me indigesto
Passei muito mal
Confesso, chorei

Não há mais o ninho
No qual fiz-me homem
No entanto, resta o legado
De amor e carinho
E de ser quem eu sou

Serviram-mo frio
Nem vinhos, nem pães
Apenas, tão-só
O corpo da mãe.

16 de jul. de 2011

RECAÍDA

Sei que não posso
Compreendo: não devo
Mas, hoje, só hoje
Eu me permito
Pois hoje eu mereço
Hoje eu preciso
Se quiser - mas não quero -, eu evito
Eu é que sei de mim e do preço

Engano-me somente a mim
Com esse ardil
Sofisma vil
No qual nem eu acredito.

17 de jun. de 2011

SÓ ME RESTARAM MEUS SONHOS

Meus sonhos vão além de mim
Muito além do meu alcance
Logo, não convém alimentá-los
Mais que o tirano a seus vassalos
Eis que são inalcançáveis
Eis que são inacessíveis
São, sim, irrealizáveis!
Mas, de fato, são incríveis
Belos, memoráveis
Cultivo-os um a um, qual flores
Rego-os todo dia
Parcimoniosamente
Para que não cresçam em demasia
Água na mais justa quantia
Para que não morram, somente
Mas, também, não sintam dores
Converso com um e outro
Dia sim, noutro também
Para que se saibam sonhos meus
E jamais de outro alguém
Para que se entendam sonhos
Nada além
E que não nutram rancores
Por quem
Quer-lhes somente a si, como a um bem

Eloqüência e pouca água
É a dieta que os imponho
Sonho meu não vinga
Sonho meu não brinca
De transcender, de ser real
Não reclama, não chia
Não me afronta
E não deixa de ser sonho
Por destino ou teimosia
Não desperta, não desponta
Não me deixa em desamparo
Enfrentando a realidade
A sós
Sem sonhos
Sem vida
Na saudade...

Sonhos meus são sempre sonhos e sempre meus.

16 de jun. de 2011

POETA ARROGANTE

Curioso, isso de ser poeta
Curioso e intrigante...
Dia desses, vi poesia numa garrafa térmica!
Outro dia, pessoas de maus-semblantes inspiraram-me bons-versos
Já despertei, sobressaltado, no meio da noite, com estrofes inteiras chacoalhando-me na cama
Ignorei os eventos, um a um, com indiferença e soberba
A poesia se oferecia; eu a desprezava
Afinal, sou poeta
Sou sujeito, e a poesia, objeto, que não existe, senão por mim

Hoje, descobri que existe, sim...
E, pelo visto, não quer mais saber de mim
Eis que a reclamo, desesperadamente
E ela me ignora, solenemente.

26 de mar. de 2011

DICOTÔMICO

Quando eu gosto, eu amo
Se desgosto, odeio
Sou assim mesmo e não me acanho
Dois extremos antagônicos
Sem nada no meio
Sou dicotômico

No meio vinga o irônico
O dissimulado, o hipócrita
O meio é e não é
Convive com lá e cá
Num torpe balé
Não se define, acovarda-se
Não manifesta, cala-se

Não me acovardo: se gosto, amo
Não me calo: se desgosto, odeio
Assim me autoproclamo
Aos brados e sem receio
De melindrar seja lá quem for
Sou a tese e a antítese
Sem o menor compromisso com a síntese
Não a anseio
Sou dois pólos que se repelem
Sem pudor
E sem nada no meio.

11 de jul. de 2010

SONETO DA TRAIÇÃO

Sempre me agigantava em teu desvelo
Seguro nos teus muitos braços fortes
Mas, hoje, pude ver, sem querer vê-lo
Teu mais cínico ato, sem recortes

Amei-te de um amor cego e inocente
E fiz desta paixão brioso escudo
Por nós, fiz-me, na guerra, combatente
Injuria a teu respeito!? ALTO! CALUDA!

A sós, sabia bem, não era nada
Portanto, quis-nos juntos, e rumamos
Até que me expurgaste em meio à estrada

Em nome de algo que não conclamamos
Traíste-me. O amor não deu em nada
Tomaste o descaminho. Onde é que erramos?

1 de jan. de 2010

AS RAZÕES DA EMOÇÃO

Na contramão da razão
Repreendeu-me a emoção:

Não!

Não sou cérebro, sou coração
Não sou para algo, sou em vão
Não sou bom-senso nem ponderação
Respeita a minha condição!

Sou heresia, não oração
Sou poesia, não equação
Sou boemia, não profissão
Não sou o dia, sou inspiração
Não sou saber, sou intuição
Sou desatino
Ora, sou emoção!

Constrangido, disse-lhe eu: tens razão.

30 de mai. de 2009

LIRALGIA

Sem dor não há poesia
Não se tange o verso
Na analgesia:
Contexto adverso à poesia

Tens felicidade, alegria?
Esquece a lira, então
Que suas cordas soam
Tão-somente na prostração.

10 de mar. de 2009

O ÚLTIMO INACESSÍVEL

O último gole guarda uma tristeza incomum
O derradeiro sorvo traz consigo a despedida mais triste e melancólica
Então, faço do último, o penúltimo
E deste, um providencial antepenúltimo
E, assim, enfileirando doses extremas, vou-me embriagando às escâncaras
Até que o derradeiro hausto
Faça-se o primeiro, leve e fausto

Rio, às ocultas, minha mais comprida gargalhada alcoólica.

30 de jan. de 2009

ANTIPOETA

Não sei por que escrevo
Sinceramente, nem gosto tanto assim de fazê-lo...
Escrever dói, cansa, agride por dentro
Faz refletir, e o que vemos, invariavelmente, não nos agrada
O que realmente me fascina neste solitário ofício é o seu fim!
Seu derradeiro momento, seu adeus - ainda que temporário
Ah... Concluir um escrito! É o êxtase infinito!
Relê-lo tão-logo o tenha terminado
E não realizar reparo algum, posto que desnecessário!
Pronto, completo e acabado
Palavra por palavra, verso por verso, ponto final
Finda a tortura
É hora do gozo - não o de escrever!
Mas o de não ter mais de escrever por algum tempo
Neste ínterim entre um e outro escrito jaz o meu prazer de escrever.

22 de jan. de 2009

POETA FOLGADO

Nasci para o ócio
Que baita negócio!
Sem chefe nem sócio
Vadiagem congênita
Meu vício e ofício

Que posso eu fazer
Se o meu proceder
Não cheira a virtude?
O que se há de fazer?
Eu fiz o que pude

Roubar não me apraz
Nem gozo de posses
Tanto quanto pensas
Viver a expensas?
Perfeito! De quem?!
Neste vai-e-vem
Tornei-me poeta!

Perdoa este errante
Sem norte nem meta
Avesso ao labor
Operário do verso
Poeta do amor
Poeta da dor
Poeta, portanto
De todo o universo.

17 de jan. de 2009

O INFERNO É AQUI

Não te iludas
O inferno é aqui!

O odor fétido que sentes, vez por outra
Morno, denso e nauseabundo
Exalando angústia e aflição
Nada mais é que o hálito do diabo
Que aspiras com sofreguidão (ingenuidade e fé)
No compasso da mais pueril oração

Não te iludas
O inferno é aqui!

E estes urros lancinantes
De graves e agudos dissonantes
Que te vêm, amiudados
E rebentam teus ouvidos
São conselhos do diabo
De satânica sapiência:
"Não pratiques a oração
Nem, tampouco, boa-ação
Que de nada valerão
Pois o inferno é aqui!"

Não te iludas
O inferno é aqui!

E este peso opressivo sobre os ombros
Este gelo que atravessa o coração
Este abraço de tantos braços, que imobiliza e sufoca
Esta sombra que te vela noite adentro
É o olhar oculto do diabo (a fagulha no breu)
Derramando-se sobre ti
Real e cru
Embora o suponhas, não o crês

Não te iludas
O inferno é aqui!

E as dores
Os rancores
Desamores
Despudores
Maus-humores
E as dores
E as dores!?
É o inferno, ou não, aqui?

Não te iludas
O inferno está em ti!

22 de dez. de 2008

OLHARES

Intriga-me teu olhar circunflexo
Teu olhar agudo perfura-me a carne
O teu olhar grave - o mais desconcertante
Gela-me o sangue e faz-me mudo
E calo-me em silêncio lancinante

Teus olhares pontuam minha existência
Ora com torturantes interrogações
Que demandam exclamações várias e aflitas
Não raro, reticentes, dissimuladamente átonos
Pondo-me um derradeiro ponto final

7 de out. de 2008

MEU AMIGO

Amou, um certo dia, de odiar
Amou, tempos depois, de desamar
Amou, outrora, de não amar
Por fim, agora, amou de amar

Amor sem preço, sem cabresto, sem lugar
Amor de, em não buscando, deparar
Amor sofrido, escondido, quase arrependido...
Arrependido?!
Qual o quê!
Não amar é que é sofrer
Não amar é que é esconder-se
Não amar é arrepender-se!

Assim sendo, amou
E ama
Decididamente
Dignamente
E apaixonadamente

Felizmente.

15 de set. de 2008

MUNDO EU

Odeio o mundo de adorá-lo, quase
Odeio-o de venerá-lo ao avesso
É-me gratuitamente hostil
É-me injusto, iníquo
E sufoca-me, aprisiona-me
Por certo, sou-lhe indigesto, também
Contudo, sou-lhe hóspede por tempo indeterminado - e isso deve aborrecê-lo
Sou inconveniente hóspede de um mundo inóspito
Por fim, descubro-me hóspede de mim mesmo

Meu mundo sou eu, tão-somente
Posto que, sem mim, para mim, não há mundo
Odeio-me a mim mesmo, no fundo

Odeio-me de adorar-me, quase.

29 de ago. de 2008

O FIM DO POETA

De tanto fazer versos
Transcendeu e virou metáfora.

27 de jul. de 2008

VERGONHA

Tens coragem de encarar
Este que ora te encara?

Olhar-me olho no olho
Frente-a-frente, cara-a-cara?

Não me consegues enfrentar
Pois a coragem é-te rara

Usaste-a pra me deixar
No momento em que te conviera

Agora, acovardas-te! Ora, pudera!
A vergonha estampa-te a cara
E a coragem já era.

19 de jul. de 2008

GURIA

Rio-me no teu riso
Alegro-me na tua alegria
Choro no teu pranto
Sofro na tua agonia
Não vivo, senão nos teus dias
Na tua insanidade, eis-me louco!

Nunca pensei ser-me tão pouco
E ser-te tanto, um dia.

28 de jun. de 2008

PERGUNTAS

Toda pergunta de fácil resposta
É uma bosta!
Boa é a pergunta que atormenta e maltrata
E não tem resposta imediata.

DESCOBRIR-SE NO TOMBO

Da alma, restou o escombro
Do orgulho, restou nem sombra
Do homem, restou o espectro
Do homem que nunca fora

E o homem que surge agora
Despido de empáfia e pompa
Frente ao medo, dá de ombros
Por autêntico, não tomba
Descobrira-se no tombo

Quedou-se por elevar-se
Além da sua estatura
Ergueu-se por desnudar-se
Da desbriosa armadura

O homem, sendo ele mesmo
Se cai, não o faz a esmo
Tomba em riste, já pressentindo
O descobrir-se no tombo
O reerguer-se sorrindo.

31 de mai. de 2008

EQUÍVOCO

No prenúncio do beijo
Face a face, pálpebras já cerradas
Todo o sentimento que o beijo encerra
E a expectativa de algo mais que o beijo

No beijo, o beijo, tão-somente
Reduzido a franca permuta de fluidos, vírus e bactérias
E constrangidos bateres de dentes

O beijo não mente.

6 de mai. de 2008

CAFÉ COM BANDEIRA

Uma xícara de café preto
Bem quente
Bem forte
Bem doce
E um poema de Manuel Bandeira
Bem quente
Bem forte
Bem doce

Para bem apreciá-los
Degusto, verso a verso, o poema
Desvendo os signos do café

Este instante é minha Pasárgada.

3 de mai. de 2008

HOMEM

Expeliram-me
Não nasci
Jamais fui feto
Sou dejeto
Excremento nascituro
Sou gente, humano, impuro
A vileza com o máximo de apuro

Um altivo cão de rua me observa com desprezo.

POEMETO MANCO

Sentei-me desconfortavelmente e pus-me a escrever
Há que se frisar:
Desconfortavelmente
Pois escrever é flagelar-se
A começar pela postura
E pela cadeira dura
E, do desgosto, fazer catarse

A idéia era um poema de amor
Um soneto, talvez
De verso heróico e branco
Mas - deduzo! - ficta e branda foi a dor
E pari isso que vês
Um poemeto manco

Farei-o de pé, na próxima vez.

19 de abr. de 2008

O DESABAFO DO PRESUNÇOSO

Perdoa-me, senhora
Minha tosca presunção
Mas foi o que deu pra presumir
Ante ao que me trouxeste à razão

Como, à França, hei de ir
Se me indicas Paquistão?

Conclusão:
Quem padece deste mal - a presunção
És tu! Não sou eu, não.

13 de abr. de 2008

PROCURA-SE

Verbo, por que me faltas?
Por que te escondes, indiferente, no pretérito?
Bem sei que, lá, já foste mais-que-perfeito
Mas careço-te cá e adiante
Quero-te no presente de meus versos
E no futuro de minhas inspirações
Suplico:
Conjuga-te no meu tempo novamente!
Sê flexível, flexiona-te, como outrora, na minha frente
Se me privas de teu beijo, não sou poeta
Sou gente
Tão-somente.

23 de fev. de 2008

POETA RASO

Entrevejo-me a mim mesmo com desdém
Sei bem
Sou poeta raso
Mas que poeta de boa cepa não tem
Mal ou bem
Com cada verso seu - ainda que tosco -, um lindo caso
Dedicando ao verso alheio - ainda que belo - um ínvido descaso?

RASGO

Ridicularias: tua mais adorável ração
Tua peçonhenta iguaria
Combustível de tua arrogância!

Fazes-te maior, não por assim o seres
- não o és! -
Crês-te maior
Encolhendo o alheio
Zombando o díspar
Enxovalhando o estranho
E nesta infame relação engendrada no âmago dos teus azedumes
Pateticamente entressonhas
E tens-te por superior, instância máxima de ser
E acalentas, destarte, tua alma negra

Negra de um negrume baço e carrancudo
Amargo e triste...
Negro ausência
Estampado na face
Mas talentosamente encoberto por tuas pulhices
E ironias cáusticas

No entanto - que aptidão! -, ridicularizas!
Aviltas para sobressaíres-te
Tudo e todos são vis
Tudo e todos são néscios
Tudo e todos são meros engodos de existência
E neste teu vão passar
Teu passatempo é a ridicularia
Tua vitamina, teu néctar...

...e tua cicuta.

Ridicularizas!
Ridicularizas!
E passas
Sem dares-te por conta
O quão ridículo é o teu tosco passar
Mero rasgo mal-cerzido.

20 de fev. de 2008

LUCIDEZ

A lucidez, de regra, turva-me o pensar
Lúcido, não penso apenas
Transgrido em devaneios!
Penso, repenso
Sopeso, conjecturo, pondero
Desfaço, reconsidero...
E enlouqueço!

Enlouqueço de pensar além de mim
E, excessivamente lúcido
Descubro-me muito aquém
De mais ninguém
Senão de mim também.

14 de jan. de 2008

VIRABREQUIM

Secou-me novamente o verbo
Apronta-me de novo das suas, este moleque
Travessura, esta, da sua maior predileção!
Estou árido e infértil lexicamente

Entrevejo-me, frente à tensão de criar
Diante do desejo de um simples rabiscar poético
Absolutamente alírico

E estes versos ralinhos e insossos que então lês
São cactos que relutam e resistem, boquissecos
E espetam-me, insistentemente
Seus espinhos pontiagudos de afagos lancinantes
A lembrar-me, a todo instante
Que cá nest’alma, ora estéril, desértica
Ainda gira explosivamente
O inquebrantável virabrequim do lirismo
Que só deixa de girar
Quando o mundo assim também o fizer, derradeiramente, para o poeta.

3 de jan. de 2008

ALENTO SEM SENTIDO

Dei-me, então, por conta
Confesso, com largo espanto
Que minha vida sem sentido
Mescla de dor e pranto
Farta de entretantos
Faz sentido, no entanto!
E o sentido de que falo
É justamente o dessentido
É não ter sentido algum
É viver sem ter porquê

Regozijo-me ao saber
Que o sentido do meu ser
É nenhum!

26 de dez. de 2007

ININTELIGÍVEL

Se tivesse eu nascido
No instante em que nasci
Talvez não tivesse sido
Isso que não escolhi.

16 de dez. de 2007

RABISCO

Não o li de pronto
Tampouco o folheei compulsivamente
Como muito já o fizera em outras ocasiões
Apenas o pus cuidadosamente na estante
Bem ao alcance de minha vigília
Sentei-me e o fiquei observando respeitosamente
E, intrigado, questionei-me:
Serei digno do desfrute de tão grandiosa obra
Ou, tão-somente, merecedor de tê-la precisamente assim, na estante
Feito bibelô a adornar minha sala e impressionar visitas?
Melhor seria se a tivesse escrito...
E, envergonhado, pus-me a rabiscar este poema.

7 de dez. de 2007

BREU

Possuía vivos olhos glaucos
De um verde-azulado oceânico
Trazia o mar naquele belíssimo olhar
Um dia, ocorreu-lhe de amar
Amou muito, porém, sem recíproca
Sofreu muito
Chorou muito
E tal foi o pranto
Que o mar secou
Seu olhar enegreceu
E o amor morreu
Hoje, não se vê mais o mar nos olhos seus
Vê-se o breu...

2 de dez. de 2007

VIDA EM VERSOS

Escrevo como quem vive
E faz viver
E cada verso, ao vir-se à luz
Aparta-se do poeta e voa
Em busca da sua rima perfeita
Mesmo que branco

Escrevo como quem goza
O gozo que só o escrever nos dá
É o indescritível prazer solitário
Compartilhado pós-gozo
Com todos que sabem
Da arte do bem-gozar

Escrevo como quem bebe
E delicia-se a cada gole
Cada verso, mais um gole
E na embriaguez
Cuspo longe o nó da garganta
E o poema flui sem censura
E sincero
E sensível

Escrevo como quem chora
E na lágrima põe pra fora
Tudo o que há de mágico
E o que há de trágico
E este orvalho d’alma
Amanhece-nos
E alvorece em versos

Escrevo como quem cai
Pois o verso coxo e débil
Ao quedar-se
Levanta-se outra vez
Com mais vigor e sabedoria
E demuda-se em nova poesia

Escrevo como quem sangra
E faz do sangue, nanquim
E o nanquim municia a pena de ouro
Que rascunha n’alma:
“Cura-te...”

Escrevo como quem sofre
A dor do não escrever
E esta mesma dor alimenta o verso
E o dá de comer
E então o sofrer de não escrever
Transmuda-se em sofrer de escrever

Escrevo como quem morre
E cada último verso
Talvez seja um patético
E melancólico balbuciar de adeus

Escrevo, enfim, como quem tão-somente escreve
Mas, ao fazê-lo
Vive
Goza
Bebe
Chora
Cai
Sangra
Sofre
Morre.

27 de nov. de 2007

O COMUM DE NÓS

Levanto
Canso
Caio
Descanso

Levanto
Canso
Caio
Descanso

Levanto
Caio
Levanto

Caio
Descanso...
Eternamente.

14 de nov. de 2007

O COLÓQUIO QUE RESTOU

Demoras-te! Por quê?
Serei indigno de tua ilustre visita?
Não tergiverses! Violentar-te-ei – sou bem capaz! – num ignominioso ato suicida!
Mas... Perdoa o descalabro
O convite é sincero, crê
A ameaça, puro desespero. Ignora-a
Vem! Preciso-te...

Quero-te viva e efetiva neste meu trôpego vagar
Mas atentes, quero-te derradeira e extrema
Um extremo de turvar a luz mais branca
Repelir as flores com seus nauseantes perfumes
Evacuar amores – exceto o nosso! –
Amputar sorrisos e acinzentar cores
E um derradeiro
De varrer restos e resquícios de existência

Quero-te desesperadamente!
Sinto-te próxima, pousando-me teu olhar demorado e perscrutador
Pressinto tua estocada fatal e tua ânsia por desferi-la, tão logo possas
Mas és toda ímpeto contido!
Neste ensejo, sonho em roubar-te um beijo
Que sufocasse, asfixiasse, desfalecesse...

Sentes meu desejo?
Percebes que te amo tanto quanto me amas?
Que inspiro o ar que expiras?
Que urro enquanto te calas?
Então, por que te negas a quem humildemente te reclama?
Vem e arranca-me da vida!
Envolve-me com teu véu negro, cerzido de trevas, encharcado de mortes
Engole-me avidamente e resgata-me deste arrastado definhar
Não vivo, tão-só existo
E existir é martírio dos fracos
E virtude dos patéticos
Sou pateticamente fraco: conto contigo
Comisera-te de minha dor, mas não a ponto de poupar-me
Não te esquives do teu único e nobilíssimo mister
Vês minha vida? Vês?
Ah! Se isto é vida, quero a vida pós-vida
A vida em morte em vez da morte em vida
A vida baça e mórfica
A não-vida
A morte
Bem-resolvida.

1 de nov. de 2007

AUTO-RETRATO

Sinto cheiro de gente
Sempre que vou aos pés
O que eu julgo que sou?
O que tu julgas que és?
Fezes!
Dejeto dos deuses, somente
Tudo aquilo que lhes é mais impuro
Expelido sob a trágica forma humana
A mais repulsiva de todas as formas
Somos apenas excremento dos deuses
Embora arroguemo-nos condição maior
A de supradivinos, além-deuses
E o cheiro fétido de gente
Sempre que vou aos pés
É o próprio perfume da humanidade
E sua patética supradivindade suposta
Revelada num melancólico e mal-cheiroso auto-retrato.

28 de out. de 2007

POESIA DIFERENTE

É uma poesia diferente, realmente
Daquelas que perturbam a mente
Não se sabe se o verso se ressente
Se mente
Se desmente
Se sente medo da gente
Percebe-se, tão-somente
Um dessentido surpreendente
E, no entanto, sentido há, entrementes
O verso é leve
A letra é breve
Mas algo pesa
Denso e tenso
E comove eternamente
Tanto pra quem escreve
Penso
Como pra quem sente
Vê-se, então, de repente
Que se trata, realmente, de uma poesia diferente.

24 de out. de 2007

PALÁCIO SEM RAINHA

No ventre da forma mais sublime, o conteúdo perece
Insurge-se, indócil, mas padece
Posto que em inabitável guarida

A forma domina a essência
Erijece-a, artificializa-a
E predomina
E o conteúdo esvazia-se
Sem viço para tocar-nos a alma carente
Ávida de poesia
Tampouco forças para romper a métrica masmorra
Rígida, fria e vazia

O majestoso palácio está órfão de sua rainha.

18 de out. de 2007

AUTOPERSUASÃO

Persuadi-lo, hei de já
Mas careço, de antemão
De outra dose cavalar
De minha autopersuasão.

17 de out. de 2007

O POETA QUE TERIA SIDO

Hei de morrer cedo
Para honrar a sagrada escrita
De que a obra não escrita
Supera, de longe, a realizada
Que é falha, posto que viva
Pífia e mal-acabada

E então, serei, desencarnado
Poeta maior, grande bardo
Parasita do poema que não escrevi
E de tudo aquilo que não fui
Mas que teria sido
Se não tivesse morrido
Tão cedo...

A morte eleger-me-á
Versejador elegante
Respeitado por público e crítica
Amado por meus versos natimortos
E assim, o poeta dos versos tortos
E inspiração raquítica
Será sumariamente esquecido
Dando lugar ao poeta do verso não concebido
Serei, então, o poeta que teria sido
Se não tivesse morrido
Tão cedo...

Revelar-te-ei um segredo:
O poeta que teria sido
Se não tivesse morrido
Tão cedo
Punha-me medo.

13 de out. de 2007

HETERÔNIMOS

Um dia quis ser Ricardo
E Campos. Essa foi boa!
Caeiro, tem dó: perdoa
Nem trago pendor pra bardo
Nem bem chego a ser Leonardo
Tampouco serei Pessoa
Por mais que o não ser me doa

- Sossega-te!!, diz Bernardo.

SOMOS DEUSES DE NÓS

O universo só existe ante a minha percepção
O meu universo só existe ante o meu parco existir
Pois, em não havendo percepção
Impossibilita-se o percebido
E nada mais há
Senão os demais inumeráveis universos
Por outras várias percepções concebidos

Cada ser é um universo particular
Cada morte é a extinção de um universo
E a nascença, novo mundo a vicejar

Portanto, somos deuses de nossa existência
Pois, ao enfastiar-me as coisas como são
Basta que as perceba com nova referência
Para transmudar-se meu universo, desde então.

8 de out. de 2007

BÁLSAMO POEMA

Tremo quando temo a solidão
Mas lembro-me da pena na minha mão
E vem em meu conforto o escrever
Pois, tão-somente esse prazer
Faz o medo estremecer
O estar só bastar-se a si
E demudar-se tudo em poesia

Hão de perguntar-me como pude
Extrair versos lenitivos
Em meio ao temor da solitude

Hei de responder-lhes prontamente
No dia de estar só eternamente
De versos forrarei meu ataúde
E medo, então, não mais se sente.

29 de set. de 2007

DOR ALHEIA

O poeta tatua no próprio corpo toda a dor do mundo
E nos versos entalhados em sua epiderme
Sentimos dor sem nos doermos
Posto que em pele estranha

Mas não pertence ao poeta dor tamanha
Ele apenas dela compartilha, inerme
E, amiúde, ao usufruirmos seus versos, indiferentes
Sentimo-nos fisgados, estranhamente
Pelo pontiagudo anzol da dor alheia
Que, a bem da verdade, há que se leia
Nada mais é que a dor da gente.

5 de set. de 2007

LÁ DE CIMA

O crânio beijou a pedra
E fez-se pedra

O corpo abraçou o solo
Seu irremediável fim
Seu ataúde inevitável

Os órgãos, há muito maltratados
De cânceres, enfisemas
Úlceras e cirroses
Amalgamaram-se num pasta indefinida

E a alma alheou-se de tudo
E assistia a tudo
Sem nada compreender

Há segundos, tudo lá embaixo era tão pequeno
Microscópico
Neste instante, tudo é gigantesco
E a cidade me engole sem mastigar

Vomitar-me-á, por indigesto
Tal como me fez a vida
Expelindo-me sem dó, tampouco apuro

Ajudei-a na derradeira golfada, com o dedo.

1 de set. de 2007

NÃO FARIA DIFERENTE

Se de um ponto inicial
Refizesse o que se deu
Ser-me-ia tal e qual
Pois, senão, não era eu.

30 de ago. de 2007

UMA CIDADEZINHA HÚNGARA

Para uma criança de ainda poucos passos
Tempo é espaço
E nas minhas reminiscências infantis
As altas horas
Eram-me tão distantes quanto uma pequena cidadezinha húngara
(na minha infância, a Hungria soava-me de uma lonjura inalcançável...)
As horas adultas eram-me inacessíveis
Dadas as quase vespertinas visitas do sono, implacável e pontual
Então, a simpática cidadezinha húngara
Lá permanecia: simpática, pequena e vazia
Enquanto eu dormia

Todavia, em raros momentos
Eu subvertia o tempo, o espaço e as coisas
Nessas molecagens de criança inquieta
E despertava, num sobressalto inconscientemente intencional, em meio às horas mortas
Que, para meu pueril espanto, revelavam-se tão vivas quanto as vivas
E lá estava eu, uma estranha criança
Com os olhos pesados, contudo atentos
Numa estranha e pitoresca cidadezinha húngara!

Tudo era tão intrigante e diferente:
As pessoas eram as mesmas daqui, mas faziam coisas diferentes
E falavam muito alto
Deveria ser da cultura húngara o hábito de falar alto, ponderava
A luz da sala era mais amarela e quase me punha cego
A televisão gritava-me sons lancinantes aos ouvidos
Numa programação, pressupunha eu, húngara, de tão incomum
Na estante, o relógio marcava uma hora estranha
Nunca havia visto seus ponteiros em tão bizarra posição
Mas era o mesmo relógio, porém com excêntricas feições
Tudo me assustava... e, curiosamente, fascinava-me!
E queimava-me a retina

Mas aquela fantástica visita
Àquela inolvidável cidadezinha húngara
Era de um efêmero desconcertante
E, de súbito, vinham-me inumeráveis grãos de areia aos olhos
Arremessados impiedosamente pelo sono, aos punhados
- fartos punhados! -
E eu era arrastado de volta, contrariado

A alvorada trazia consigo o despertar
E a saudade da cidadezinha húngara

Hoje, não mais existe a Hungria
E todas as horas são mortas
E fugidias.

22 de ago. de 2007

VERSO ÓRFÃO

Que será de ti, meu verso vão
Desprovido de sentido
Se aqueles que te lerem com a razão
Forem incapazes de o fazerem com a emoção?
Compreender-te-ão? Duvido

Serás, tu, sem serventia
Mero capricho de um poeta
Que, tolo, ambicionou-se poeta, a revelia
Do lirismo que não possuía

Tu, verso vadio
Nu, controverso e vazio
Nasceste pra ser tocado e sentido, sem intermédio
E, jamais interpretado
Tal bula de remédio
Que chateação!
Ou manual de instrução
Quanto tédio...

Todavia, alvíssaras parnasianas acalentam-me
Advindas d’algum ponto da Via Láctea
Pois, se só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas
Estes mesmos têm candura de sentir poesia
Alma de apreciá-la e empatia de entendê-la
E meu verso órfão, por fim
Encontrará guarida, assim

Verso meu, flerta com os que amam
Pois só estes te entenderão
E, assim, o devido valor, por certo, dar-te-ão.

18 de ago. de 2007

POEMINHA SOBRE O TEMPO

Comemoro, agora, o completar de mais um antes
Que também fora, outrora, comemorado como agora
E num átimo, hei de festejar mais outro agora
Oriundo de seu antes, que é agora
Celebro hora sobre hora
Instante após instante
Pois sei que o agora é eterno
O antes, efêmero
E o depois, inconstante.

8 de ago. de 2007

HORAS MORTAS

Perambulei, de crepúsculo a aurora, pelo corredor sem portas da insônia
E nestas horas ditas mortas, repassei minha vida
Colhi, desta insone retrospectiva, mais orgulhos que vergonhas
Revi méritos muitos, desonras poucas
Dei-me conta de fartos altruísmos
Permeados por raros egoísmos
Muito servi e pouco fui servido
Elogios e reverências angariei, contraponteados por mínimas repreensões

Vê que vida escorreita!
Olha que imácula existência!

Porém, herdo desta conta
Largos prantos e constrangidos sorrisos
Amargos desgostos
Regozijos vãos
Escassas realizações, abundantes decepções
Um revés de vida de um espectro de ser

A prova e a contra-prova, escarradas na face
De que viver não é passar
E que supostas horas mortas prescrevem-nos - urge! - horas mais vivas.

ESCOLAS

Meu poema tem, sim, forma
Mas sua alma é anarquista
Parnasiano, te conforma!
Não te ofendas, modernista.

PRAÇA DA ALFÂNDEGA

Se Quintana e Drummond
Rabiscassem um poema
Bem composto, a quatro mãos?
Decifrai este teorema!

4 de ago. de 2007

DEI UM PORRE NA ANGÚSTIA

Com extrema e sutil argúcia
Sem que sequer suspeitasse de meu ardil
Dei um porre na angústia!

Sentara-se ao meu lado - impertinente
E abraçara-me apertado
Fingindo-se aliada
Deste ébrio abandonado

Tocava-me com o gelo de suas mãos hábeis
Com a destra, acariciava-me o dorso da mão vazia
Com a sinistra, esmagava-me o coração implacavelmente

Nisso, ofereci-lhe o copo, quase cheio
Derramando-se de dor e embriaguez

- Aceita! Far-te-á sentir melhor

Entornou-o de um só gole
Sugeriu-me um brinde.
Outro copo. Outro. Outro. Outro...
Por fim, mão frouxas e vadias
Irrigadas de álcool e sangue quente

Dei um porre na angústia!
E adormeci sozinho
Impassível e aliviado.

30 de jul. de 2007

INCOMPLETUDE

Sou fraco. Sinto saudades...
De tempos idos
De idas idades
Que nem foram, assim, tão melhores
Tampouco pouco piores
Mas, como já disse
Sou fraco
Sinto saudades...

Completo-me nesta complexa incompletude.

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